O segredo não está nas entrelinhas
Como os peritos grafotécnicos ajudam a desvendar crimes e solucionar mistérios

Em 1444, o texto Doação de Constantino, documento que durante séculos serviu como argumento para justificar o poder temporal dos papas sobre os Estados Pontifícios, foi declarado falso. Em 1906, o oficial francês Alfred Dreyfus foi reabilitado, após doze anos, da acusação de traição à pátria pela presumida autoria de uma carta suspeita. E em 1983, a revista alemã Stern publicou trechos de um suposto diário de Hitler, posteriormente reconhecido como uma falsificação grotesca.
Esses são apenas três exemplos relacionados à falsificação de documentos que se tornaram mundialmente famosos, mas os processos penais estão repletos de casos em que assinaturas, cartas, datas de documentos etc. são falsificados.
A solução, muitas vezes, está no trabalho de técnicos especializados em perícia grafotécnica. Como este é um assunto que desperta enorme interesse, a PUC-Rio, através da CCEAD e da CCE, está preparando o Curso Básico de Perícia em Grafística e Documentoscopia e o Curso Avançado em Perícia de Assinaturas, cursos de extensão a distância e abertas ao público em geral, desenvolvidas pelos professores Luciano Barata e Judá Jessé de Bragança Soares.
Como não existe no Brasil um sindicato de peritos grafotécnicos, tampouco uma faculdade que forneça um diploma reconhecido pelo MEC a estes profissionais, o conhecimento transmitido em um curso de extensão já é suficiente para que uma pessoa seja reconhecida como perita grafotécnica, podendo exercer esta atividade, inclusive em processos penais.
Além disso, é postulado geral que um perito é capaz de examinar textos escritos em diferentes alfabetos, desde que conheça a diversidade de características e regras da escrita, podendo, desta forma, estender seu campo de trabalho fora do Brasil.
A seguir, mostraremos a você alguns dos segredos da perícia grafotécnica que serão abordados no curso da PUC-Rio.

Detalhes entre a mentira e a verdade

Magistrados não possuem conhecimentos técnicos suficientes para realizar julgamentos e aplicar sentenças, especialmente em casos complexos. Para auxiliá-los, entram em cena técnicos e especialistas. Através de exames periciais, eles fornecem as valiosas interpretações das provas, que formam o alicerce no qual juízes irão apoiar suas convicções e, assim, determinar sentenças.
Em outras palavras, a perícia lança um feixe de luz em processos penais. Portanto, não é exagero nenhum afirmar que os exames científicos e periciais e os laudos técnicos explicitam detalhes vitais para o descobrimento de verdades, provavelmente inalcançáveis sem este minucioso trabalho.
A perícia grafotécnica faz parte da lista de exames periciais solicitados por magistrados. De fato, é um artifício rotineiramente utilizado como prova técnica para detectar a autenticidade de um documento ou apontar o autor verdadeiro de uma assinatura ou escrita.
É comum também para expor falsidade em autos de um processo e há, ainda, outras finalidades, entre elas, detectar alterações, como supressão, substituição, emenda ou raspagem; recuperar documentos queimados ou lavados; identificar textos cobertos por tintas ou líquido corretor; reconhecer autofalsificação ou disfarce; apontar escritos produzidos sob coação ou efeito de drogas ou doença; detectar substituição de folhas encadernadas; e identificar data de reprodução de um texto ou documento.
A base da perícia grafotécnica é a comparação do escrito questionado com outro ou outros seguramente autênticos.
O papel do especialista é apresentar um laudo ou um parecer retratando fatos e fazendo sua interpretação a partir dos seus conhecimentos; sua avaliação tem peso técnico e até mesmo jurídico, mas é bom lembrar: esta não é uma atividade fácil. Suspeitas não indicam necessariamente fraude, basta relembrar o caso Dreyfus, visto no início desta matéria.
É importante enfatizar a diferença entre grafotécnica – a verificação da autenticidade e autoria do escrito – e grafologia – a verificação de aspectos psicológicos do autor do escrito.
A grafotécnica, também conhecida como documentoscopia, grafoscopia ou perícia caligráfica, tem como suporte ciências e disciplinas afins, como a caligrafia, a criptografia e a paleografia. Conhecer profundamente a escrita é se deparar com um universo de pormenores informativos que, de outra forma, seriam meros detalhes com pouco ou nenhum significado.
Por exemplo, a diferença que nos leva a supor falsidade pode ser justamente o que comprova a veracidade de uma escrita. Isso porque da mesma forma que não existem dois indivíduos exatamente iguais, também não há escritos traçados por diferentes mãos, com idêntica fisionomia. Escritas similares são como gêmeos: podem ter inúmeras características comuns, mas, com atenção, podem ser notadas singularidades. Ou seja, uma cópia idêntica é falsa, produzida, geralmente, por decalque ou digitalização.
Não se pode esquecer que em processos penais os magistrados só aceitam documentos originais como peças padrões. Cópias não são usadas como provas, porque são consideradas escritas indiretas, provenientes de processo artificial, portanto, seus resultados não são considerados conclusivos em exames periciais.
Apesar disso, grafotécnicos são capazes de fazer análise de fotocópias em casos onde não há acesso a documentos originais, mesmo havendo restrições. Por um lado, muitas características do escrito podem ser observadas em cópias, por outro lado, é preciso levar em consideração a qualidade da cópia e verificar possíveis alterações. No original, algumas mudanças são visíveis com microscópio ou iluminação ultravioleta, o que geralmente não ocorre em fotocópias.

Marcas indeléveis

Quando aprendemos a escrever, somos levados a reproduzir uma forma caligráfica comum, mas com a prática e nosso desenvolvimento pessoal, este modelo vai sendo deixado de lado e fatores como treino, habilidade artística, tônus muscular e maneirismos contribuem para a formação de uma escrita singular, enraizada à medida que nossa escrita vai se tornando um hábito automático.
Além disso, existem duas forças básicas que determinam nossa escrita: a vertical, ou seja, a pressão do instrumento escritor contra o suporte, e a horizontal, que nada mais é do que o movimento – retilíneo ou circular – do instrumento escritor sobre o suporte. Intensidade, direção e sentido estão relacionados a características individuais.
Entretanto, existe uma lei da escrita crucial para o trabalho dos especialistas que atuam nesta área. Segundo esta lei, cada um de nós possui uma gênese gráfica, impossível de ser alterada, inclusive por nós mesmos. Isso porque o formato das letras se faz a partir do movimento natural do cérebro, sem a interferência de tremores, paradas ou sobrecarga de tinta. Este movimento também está isento de divergências em relação à dinâmica, força de pressão ou progressão.
A grafotécnica detecta exatamente a unidade gráfica que é emitida pelo movimento involuntário do cérebro e que determina o movimento dos punhos. Tomando esta afirmação como verdadeira, é possível, então, descobrir um falsário, já que ele nunca conseguirá reproduzir, seja no todo, seja em parte, a gênese gráfica de outra pessoa.
Como afirma Robert Saudek, grafologista tcheco e fundador da Sociedade de Grafologia Profissional da Holanda, “ninguém é capaz de imitar, ao mesmo tempo, cinco elementos do grafismo: riqueza e variedade de formas, dimensão, enlaces, inclinação e pressão”.

Teste seus conhecimentos acerca da escrita

Abaixo estão dois exemplos de estudos grafotécnicos. Veja se você é capaz de detectar falsidades da escrita.
A primeira assinatura é, comprovadamente, autêntica. A segunda é autêntica ou falsa?

Se duas assinaturas são exatamente iguais, uma pelo menos não é verdadeira.
Sendo a primeira original, a segunda é, portanto, falsa, produzida por decalque ou digitalizada.
Os dois textos a seguir foram produzidos pela mesma pessoa?

Apesar da direção e inclinação diversas, é possível reconhecer as mesmas características identificadoras da autoria, especialmente nas letras r, s, l, o e t.