O Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho (AEAT) é publicado anualmente pelo Ministério da Previdência Social e apresenta dados sobre acidentes laborais e suas principais consequências. Os dados de 2017 – 700 mil casos registrados – colocaram o Brasil em quarto lugar no ranking mundial de ocorrências de acidentes de trabalho, atrás somente da China, da Índia e da Indonésia.
Os números são assustadores, mas os próprios órgãos governamentais alertam para uma situação real ainda pior, já que há inúmeros acidentes não registrados para beneficiar as empresas que evitam, assim, aumento de tributações. Além disso, as estatísticas não incluem casos ocorridos com trabalhadores informais, trabalhadores públicos de regime estatutário e autônomos. A questão da segurança é bastante problemática porque muitas pessoas pensam que os acidentes ocorrem, mas esquecem que, na verdade, eles são causados.
Um guia de investigação de acidentes do trabalho do Ministério do Trabalho indica a necessidade de analisar as causas imediatas e também as causas “subjacentes” e “latentes” que provocam acidentes, e isto inclui a questão do treinamento adequado.
Daniela Silveira Soluri, professora do Departamento de Química da PUC-Rio e autora, ao lado de Joaquim Neto, do livro “SMS: Fundamentos em Segurança, Meio Ambiente e Saúde”, percebeu, no início de sua carreira, que a falta de treinamento era um problema que começava nas universidades: “Quando me formei, consegui um trabalho na indústria e foi lá que participei de cursos de qualidade e segurança. Percebi que esse conhecimento deveria ser passado na faculdade, mas não era o que acontecia, formávamos alunos sem nenhuma noção do assunto”, diz.
Em 2000, quando Soluri iniciou seu doutorado na PUC-Rio, retomou o contato com estudantes de engenharia e constatou que o problema ainda existia. Já como professora, Soluri integrou o Comitê de QSMS do Departamento de Química. Em 2012, começou a dar palestras sobre segurança, meio ambiente e saúde para os alunos calouros do curso de Introdução à Engenharia, mas ela conta que havia algumas dificuldades: “A participação de todos os estudantes era obrigatória, mas sabíamos que era um pouco cruel assistir à palestra inteira porque era sempre na hora do almoço, durava uma hora e meia e abordávamos um assunto que ainda não era interessante para eles. Existia um esforço para tornar o conteúdo atraente, por exemplo, simulávamos um incêndio, mas, muitas vezes, os alunos ficavam apenas sentados, esperando a lista de presença para poder ir embora”.
Após alguns anos oferecendo a palestra, surgiu um problema com relação ao horário e tornou-se necessário organizar várias palestras por semestre, o que inviabilizou o projeto. Foi então que o Coordenador da disciplina, Mauro Speranza Neto, sugeriu organizar a atividade de forma on-line, por meio do ambiente virtual de aprendizagem da universidade. Inicialmente, a ideia deixou Soluri apreensiva. Para ela, a palestra presencial era o único momento de contato dos estudantes com a questão da segurança, meio ambiente e saúde e oferecê-la a distância afastaria ainda mais os jovens do assunto.
Mesmo assim, a professora entrou em contato com a Coordenação Central de Educação a Distância da universidade e descobriu que não seria necessário, simplesmente, gravar a palestra e disponibilizá-la para os calouros; era possível transformá-la em um curso.
O resultado final foi a apresentação do conteúdo em módulos que são acessados pelos alunos ao longo do período. Em cada etapa, há um questionário que deve ser respondido, caso contrário, perde-se pontos na nota final da disciplina. Logo no início do curso, os alunos aprendem que “a sigla SMS trata de um sistema de gestão integrado em segurança, meio ambiente e saúde, voltado às empresas e organizações, que toma, por base, diretrizes gerais que norteiam ações voltadas para a saúde e segurança do trabalhador em relação a sua função e ao ambiente que o cerca, além de garantir a preservação do meio ambiente e buscar o desenvolvimento sustentável e o atendimento a requisitos legais. Boas condições de trabalho são resultados de uma saudável combinação de responsabilidades em questões de SMS, entre empregado e a alta direção de uma organização”. É o começo para que os estudantes entendam a importância do treinamento adequado e da prevenção.
Para Soluri, o trabalho ficou excelente, mas ainda há muito a ser feito: “Acho que o conteúdo ficou mais leve dividido em partes e escuto elogios dos alunos, mas acho que devemos fazer mais. Por exemplo, não podemos focar apenas nos calouros. É interessante e muito importante, também, retomar o assunto ao longo de toda a faculdade, inclusive com os estudantes mais velhos, mais maduros, que já passaram pelo laboratório, por estágios em fábricas e indústrias e, por isso, têm experiências para dividir e sabem da importância de falar em segurança no trabalho. Mas não devemos nos limitar aos alunos de engenharia. Este é um tema importante para todos os cursos e para toda a comunidade universitária. Meu sonho é fazer algo maior, transformar este conteúdo em uma disciplina, talvez, ou disponibilizar para todos na página da PUC na Internet. Poderíamos, também, apresentar o material para qualquer pessoa que ingressasse na faculdade, seja como aluno, seja como funcionário. Enfim, as possibilidades são muitas”.