A plataforma Moodle é um ambiente virtual de aprendizagem que ganha novos adeptos diariamente. Na linguagem coloquial, em inglês, to moodle significa navegar despretensiosamente por algo, enquanto se faz outras coisas ao mesmo tempo. Da forma como foi desenvolvido, o Moodle permite pensar a educação de maneira parecida. O programa permite a criação de cursos on-line, páginas de disciplinas, grupos de trabalho e comunidades de aprendizagem.

Atualmente, é utilizado em mais de 235 países e disponível em 75 línguas. A plataforma, no entanto, foi criada como preparação da tese de doutorado do programador e desenvolvedor Martin Dougiamas que, em 1999, estudava e trabalhava na Universidade de Tecnologia em Perth, cidade da Austrália localizada na Costa Oeste do país.

“Comecei a escrever o projeto porque não gostava de nenhuma ferramenta existente na internet para a educação”, conta Martin. O australiano esteve no Rio de Janeiro em outubro para participar do 15º MoodleMoot Brasil, encontro dedicado a parceiros e usuários da comunidade Moodle, e conversou com a equipe da Revista Asas sobre suas ideias e projetos para o futuro. Confira na entrevista a seguir.

O Moodle foi criado em 1999 sob a forma de comunidade virtual e envolve administradores de sistemas, professores, pesquisadores, designers de conteúdo pedagógico, além dos desenvolvedores e programadores como você. As pessoas que usam o ambiente têm verdadeira adoração por ele. Como você explica esse sucesso?

Sempre tentei construir coisas muito boas. Na área acadêmica, estamos acostumados a estudar, pesquisar e ter ideias para dividir com as pessoas, não pensamos comercialmente. Os usuários do Moodle entendem que a nossa filosofia é criar para ceder, nossa proposta é estar aberto para ajudar a melhorar tudo ao nosso redor. Por isso, no fim das contas, somos realmente uma comunidade e este é o motivo do sucesso. As pessoas respondem a esta abertura e ao fato de serem parte disso.

O crescimento do ambiente atrai a atenção de investidores que têm uma visão comercial da educação. Você está preparado para lidar com isso?

Muitas empresas me procuraram para propor algum tipo de negócio e eu mesmo procurei investidores por alguns anos, mas a maioria falava sobre números, resultados e prazos e não era isso o que eu buscava. Meu objetivo não era encontrar pessoas com foco nos lucros, mas sim parceiros interessados naquilo em que investiam. Cheguei a conversar com instituições da área da educação, mantive contato por meses com uma em especial, muito grande, mas que, no final, propôs comprar parte da minha empresa e mencionou controle, metas e valores absurdos. Foi tão insultante que nem respondi.
A filosofia do projeto se apoia no modelo pedagógico do construtivismo social e na militância por programas gratuitos de código aberto. Trabalhamos cada vez mais nesta direção e estamos fazendo um bom trabalho. Estou mais animado do que nunca. Tanto que mudei toda a minha vida pessoal para me dedicar a isso. Finalmente, encontrei uma empresa que pensa como eu e fala a minha “língua”.

Você pode comentar mais sobre isso?

Claro. Fiz uma parceria com uma empresa familiar francesa da área varejista de artigos esportivos chamada Decathlon. Pode parecer estranho unir uma empresa de esportes e uma de educação, mas eles acreditam em “esporte para todos” e nós acreditamos em “educação para todos”, ou seja, defendemos a mesma ideia em áreas diferentes e isso faz com estejamos em sintonia, pensando de forma parecida. Além disso, visitei a sede da empresa, em Lille, na França e fiquei admirado com a forma com que eles trabalham. O presidente da empresa tem, na porta do seu escritório, a seguinte frase: “Falhe, falhe de novo e falhe melhor”. A forma humana e modesta de guiar os negócios é bem interessante.

E como vocês se encontraram?

Desde a criação do Moodle, participo de vários encontros e conferências do próprio Moodle, mas como estava buscando parcerias novas, empresas que acreditassem no nosso trabalho e estivessem dispostas a investir em educação, decidi ir a lugares novos, que não costumava ir.

Por exemplo, em setembro de 2016, estive no Congresso Internacional da Associação Brasileira de Educação a Distância, ABED, que aconteceu em Águas de Lindoia, em São Paulo. E em março deste ano, participei de uma conferência em Tel Aviv, Israel, chamada Shaping the future (Formando o Futuro), organizada por uma ONG israelense que se dedica ao avanço do sistema educacional em todo o mundo.
O problema é que havia uma plateia de duas mil pessoas, a maioria professores e educadores, e as palestras e apresentações eram de pessoas ligadas a empreendedorismo, com um discurso sobre a falência da educação e sobre como a solução está em novos aplicativos. Percebi ali um desapontamento enorme dos educadores, um desencontro total entre palestrantes e ouvintes.

Participei de um painel sobre os caminhos para o aprendizado e falei por cerca de vinte ou trinta minutos. Nem cheguei a falar sobre o Moodle, apenas apresentei minhas ideias sobre a importância da educação pública e os investimentos em cidadania e qualidade do aprendizado. Meu discurso foi, como sempre, muito apaixonado e o resultado foi uma animação geral quando terminei minha fala. Todos se levantaram e aplaudiram, como se finalmente alguém estivesse falando com e para eles.
Depois disso, recebi uma mensagem no meu celular de alguém interessado em falar sobre o meu trabalho. Não sabia de quem se tratava e já estava indo embora, mas decidi responder e conversar por telefone. Era justamente a empresa Decathlon.

E, então, vocês começaram a trabalhar juntos?

Bem, antes disso, conversamos por cerca de quatro ou cinco meses. A verdade é que eles ficaram surpresos com a forma como as pessoas se animaram durante minha apresentação na conferência em Israel e, conscientes da relevância em investir em educação, decidiram me procurar.

Eles não me conheciam, nem conheciam o meu trabalho, então, apresentei a minha empresa para eles e, como já disse, também fui conhecê-los. Dei detalhes sobre o Moodle, falei sobre a nossa missão, nossos números, o impacto do Moodle em todo o mundo. Depois disso, eles resolveram investir seis milhões de dólares no nosso trabalho.

Isso significa uma mudança enorme no desenvolvimento do Moodle daqui para frente, certo?

Com certeza. É um grande investimento para melhorar o Moodle, torná-lo sustentável e mais e mais acessível para todos. Queremos aumentar a usabilidade para fazer todas as ferramentas serem de fácil utilização, principalmente no formato mobile, através de nossos aplicativos móveis. Há um enorme trabalho pela frente e já contratamos pessoas novas. Há muitas ideias que precisam se concretizar.