Diga rápido: onde fica a mente humana? Na cabeça, certo? Esta é a resposta dada pela grande maioria das pessoas e parece uma conclusão bastante óbvia. Seria até estranho pensar em algo diferente.
Desde o surgimento do Iluminismo, estabeleceu-se a ideia de que tudo relacionado à mente humana está dentro de nós. Este paradigma ficou enraizado no pensamento ocidental durante séculos. No entanto, a partir da década de 1990, pesquisadores começaram a propor outras ideias e apresentaram teorias contraintuitivas que, no mínimo, deixam muita gente curiosa.
Basicamente, as novas teorias dizem que a mente humana não se reduz ao cérebro. Ralph Bannell, diretor e professor do Departamento de Educação da PUC-Rio, participou do MoodleMoot Brasil e tratou deste tema. Ele explica que esta nova forma de entender a mente está associada à ideia de que a cognição é enativa, incorporada, integrada e estendida: “Em inglês, falamos em enactive, embedded, emboded e extended, por isso, chamamos de teoria dos 4 Es. As três primeiras palavras estão relacionadas com a ideia de que a mente envolve ação humana e o acoplamento do organismo com o ambiente físico, social e cultural. É nesse acoplamento que desenvolvemos nossas capacidades mentais e cognitivas. Alguns autores falam de mente emergente porque, de acordo com eles, a mente emerge desse acoplamento com o meio ambiente, mas há uma tese ainda mais ousada, a da mente estendida, que defende a ideia de que nossas mentes são a união do cérebro, do corpo e também do mundo”.
A tese da mente estendida é defendida pelo filósofo e cientista cognitivo Andy Clark. Para ele, o ser humano é, naturalmente, um ciborgue. Clark chegou a esta conclusão após dois acidentes que transformaram sua vida. O primeiro deles o deixou com a visão turva em um dos olhos; o segundo – o extravio de um computador – o deixou completamente perturbado: “Por que a perda de um laptop sem backup me atingiu como se eu tivesse sofrido uma lesão cerebral real?”, indaga o autor.
O ocorrido fez com que Clark questionasse se a mente humana está realmente limitada à caixa craniana ou pode ulrapassar esta barreira, envolvendo outros instrumentos que a auxiliam no desempenho de suas funções, como, por exemplo, o seu computador desaparecido.
Logo na introdução do seu livro Natural-Born Cyborgs: Minds, Technologies, and the Future of Human Intelligence (Naturalmente ciborgues: mentes, tecnologias e o futuro da inteligência humana, em tradução livre), Andy Clark faz uma provocação ao leitor e diz que seu corpo é virgem em termos eletrônicos, mas, ainda assim, ele é um ciborgue de nascimento: “Não faz parte de mim nenhum chip de silício, nenhuma implantação na retina ou no labirinto e nenhum marcapasso. Nem uso óculos, mas estou lentamente me transformando mais e mais em um ciborgue. E você também. Daqui a pouco, e ainda sem precisar de fios, cirurgia ou alterações corporais, nós todos vamos ser parentes do exterminador do futuro. Talvez nós já sejamos. Porque nós vamos ser ciborgues não apenas no sentido superficial de combinar carne e fios, mas no sentido mais profundo de ser uma simbiose de seres humanos e tecnologia: sistemas de pensamento e raciocínio, cujas mentes e identidades estão difundidas através de cérebro biológico e circuitos não biológicos”.
O que Clark e outros autores como ele defendem é que a nossa capacidade de entender o mundo não depende apenas de algo que está dentro de nós. Se uma pessoa faz anotações em um caderno para lembrar delas mais tarde, então, podemos dizer que o caderno faz parte da sua memória. Ou se alguém usa lápis e papel para fazer um cálculo com números grandes, então, aquele lápis e aquele papel são extensões da sua mente.
Há inúmeros outros exemplos. Quando um cientista olha o cosmos através das lentes de um telescópio, este instrumento é, no momento do manuseio, parte do seu mecanismo cognitivo. Ele é, portanto, incorporado como parte da mente do cientista.
Ralph Bannell chama a atenção para a diferenciação de duas teses: “Há quem diga que tudo que está fora do nosso corpo é apenas um apoio para nossa mente. Mas acredito que esta seja uma tese fraca. A tese de Andy Clark é diferente e, na minha opinião, é a tese forte. De acordo com ela, o que está fora de nós constitui parcialmente a mente”.
Em outras palavras, a tecnologia faz parte da nossa mente e não é necessário que o ser humano use chips no corpo ou se submeta a transplantes para ganhar o status de ciborgue. Basta incorporar ferramentas que ampliem sua mente. E isto ocorre naturalmente, ao longo dos anos, quando usamos qualquer tipo de tecnologia, seja um simples lápis, seja um computador.
Com isso, o conceito de mente é redefinido, extrapola as fronteiras da caixa craniana e alcança os limites da ação humana através do cérebro, do corpo e do mundo. O primeiro assume o papel de controlador dessa mente material, de cuja existência ela efetivamente depende: “A radicalidade das ideias de Clark está no fato do cérebro não funcionar necessariamente como um processador central. O controle pode ser distribuído pelo corpo e até se estender para fora do corpo, para o ambiente. É importante lembrar, também, que a biologia faz parte de nós, ou seja, tirar o cérebro do corpo humano nos incapacita de pensar. Quero dizer com isso que não acredito em computadores pensantes. Sem cérebro, não há cognição. Por outro lado, também não há cognição sem o corpo e sem o mundo ao nosso redor. Ser necessário não significa ser suficiente”, explica Ralph Bannell.
Em 2006, o Departamento de Direito da PUC-Rio criou um simulado deste exame com o objetivo de preparar os estudantes para a primeira fase da prova, de múltipla escolha. A dificuldade dos alunos em acertar as questões do simulado fez com que, em 2012, o Departamento criasse uma oficina preparatória para o simulado. No ano seguinte, estas atividades passaram a ser obrigatórias a todos os estudantes de Direito e, em agosto de 2013, por decisão da Comissão Geral do Departamento de Direito, a oficina passou a ser virtual. Na entrevista a seguir, a professora Virgínia Totti Guimarães explica o motivo da criação do simulado e da oficina e conta o que mudou desde que estas ideias surgiram e foram implementadas.
PARA PENSAR
No texto “O Ciborgue na visão sincrética: A Mente Estendida criando criaturas híbridas!”, Maria Sílvia de Oliveira coloca um interessante questionamento acerca do uso de tecnologias e exclusão:
“A conclusão de Clark representa mais um passo andado, talvez não propriamente na solução do problema mente-cérebro, mas no entendimento de que os processos cognitivos são eminentemente dependentes das ajudas externas. E que sem elas eles não existiriam, ou seriam, no mínimo, muito limitados. Se hoje se fala da exclusão social, exclusão econômica, exclusão política, exclusão cultural, exclusão escolar, exclusão digital, Clark, que teoriza sobre a essência humana poderia nos levar a pensar em uma exclusão humana. Ou seja, o humano que mais acoplar tecnologias – e isso, mais uma vez, é fruto do poder de compra (com suas causas e consequências), do investimento feito nas melhorias humanas – poderá ser mais inteligente, mais atlético, mais bonito, mais culto, etc. E mais que isso: se o humano se define como tal através do acoplamento de tecnologias, o baixo poder de compra o excluiria de sua espécie? Aí sim, além de classes sociais, teríamos classes humanas, graduadas de acordo com as tecnologias acopladas?”