A professora do Departamento de História da PUC-Rio, Eunícia Barros Barcelos Fernandes, utiliza o ambiente de aprendizagem on-line em seus cursos e acredita que esta é uma ferramenta fundamental para os futuros profissionais da área. Na entrevista a seguir, ela conta como a tecnologia se tornou uma aliada no processo de ensino e aprendizagem de História.
Qual foi o seu primeiro contato com educação a distância?
Conheci o processo de ensino e aprendizagem a distância através do curso de graduação de História realizado pela PUC-Rio. Desde o início fiquei bastante entusiasmada com a linguagem usada em EAD e com as possibilidades oferecidas pelo ambiente de aprendizagem on-line, porque sempre gostei de fazer uso de determinadas tecnologias como um processo e um suporte para o desenvolvimento de conhecimento. A licenciatura a distância trouxe algumas experiências muito ratificadoras dessa percepção.
Você pode dar algum exemplo?
Estar em sala de aula é uma delícia e tem uma ação e reação imediata, mas ali não há obrigatoriedade de participação de todos os alunos, pois se pode ficar em silêncio; mas como no ensino virtual o instrumento é a escrita, o ‘estar em aula’ exige a participação: um aluno que ficaria em silêncio numa aula presencial acaba interagindo. Conseguimos, assim, a totalidade de intervenções de alunos participantes e temos uma qualificação do processo de escrita.
Você tocou em um ponto importante: o processo da escrita entre os jovens. Hoje, muitos têm dificuldade em escrever. Você está afirmando que a educação a distância ajuda a reduzir este problema?
Sim. Este é um problema grave na nossa sociedade. Muitos não conseguem ter um pensamento narrativo muito prolongado, não conseguem pensar mais do que conjuntos de parágrafos, influenciados por essa linguagem nova muito visual, onde há outro processo de interação com quem está lendo e escrevendo. No momento em que o aluno só pode participar da aula através de uma intervenção escrita, ele acaba qualificando o seu pensamento no formato escrito, algo que normalmente não é exigido dele. No espaço de aprendizagem a distância, o aluno é convidado a escrever, tem a intervenção do colega, do professor e, então, pode reescrever. Vejo no processo da escrita a transformação do pensamento e isso é muito bacana porque tenho a materialização desse processo, o que não há, às vezes, no espaço tradicional da sala de aula.
Existem vantagens específicas da educação a distância para o curso de História?
Sim, cito ao menos duas. A primeira é que a racionalidade histórica é narrativa e, no caso, como no exemplo anterior, quanto mais você qualifica a narrativa, mais qualifica essa racionalidade. A segunda é tão importante quanto, pois a produção do conhecimento em história não se estabelece por uma verdade exata: é fundamental ao graduando em História a compreensão de que uma nova situação social pode gerar uma nova questão, um novo problema, e mesmo que alguém utilize documentos que já foram utilizados por outros, há sempre a possibilidade de se criar novas narrativas. Isso é a historiografia, portanto, ao mesmo tempo que a racionalidade é narrativa, a problematização da narrativa é um dos eixos do pensar historiográfico. Na aula presencial, pode haver o encolhimento de uma possível crítica ou observação do material trabalhado, impedindo o aluno de perceber que o conhecimento se faz justamente a partir dessas críticas, como resultado, quando o aluno se coloca como aquele que escreve a história não percebe essa dimensão e, no mais das vezes, apenas reproduz verdades alheias. O espaço virtual muda isso. No wiki, por exemplo, os alunos escrevem juntos e isso os permite compreender o lugar de fala, é uma ação que permite compreender como se negociam observações, percepções, verdades. Existem determinados instrumentos que a ferramenta virtual trouxe para a sala de aula e que são importantes para o historiador, pois são pertinentes para lidar com problemas comuns à discursividade historiográfica.
Então, o ambiente de aprendizagem on-line ajuda os alunos a trabalhar em conjunto?
Acredito que sim. Um exemplo simples: existe uma diferença no ritmo de leitura e na capacidade compreensiva, isso fica claro quando, por exemplo, lemos em voz alta para corrigirmos nossos próprios erros – como repetições e redundâncias – que não ficam claras na leitura silenciosa. Podemos dizer que a leitura em voz alta equivale ao texto coletivo, produzido no ambiente virtual. Nesse momento, os alunos percebem várias coisas, como as diferenças de interpretação, as construções dos lugares de fala e as diferentes compreensões e verdades que estão contidas ali. Sou uma usuária fiel do ambiente de aprendizagem on-line porque acredito, efetivamente, que ele traga possibilidades formativas diversas daquelas do espaço presencial, habilitando e capacitando os alunos dentro desse mundo em que eles vivem agora.
Os alunos vivem esse mundo tecnológico, mas você acha que sabem usar corretamente as tecnologias disponíveis hoje em dia?
Acreditamos que os nossos alunos já são alfabetizados no mundo virtual, mas isso é uma ilusão. A maioria chega nas minhas mãos sem habilidade de busca, de pesquisa, de registro, sem noção de como validar uma pesquisa dentro de parâmetros ou critérios acadêmicos. Há uma diferença entre buscar uma receita de um doce na internet e saber produzir material acadêmico, com validação institucional, que será acessado por outras pessoas e que possa efetivamente sustentar a produção de conhecimento.
Você utiliza, então, o ambiente de aprendizagem on-line para trabalhar essas questões com os seus alunos?
Exatamente, afinal, tenho preocupações com a formação deles. Serão futuros professores e pesquisadores na área de História. Trabalho, por exemplo, com o material virtual de arquivos e bibliotecas. Cada vez mais, estes materiais estão sendo digitalizados e disponibilizados através da internet, porém, precisamos manusear essas ferramentas virtuais, saber como os arquivos se organizam, quais as lógicas de digitalização, como são feitos os acessos e como são feitos os registros no arquivo virtual etc. Obrigatoriamente, meus alunos vão aos arquivos, mas também trabalhamos os arquivos virtuais e aprendemos sobre suas diferenças. Há, também, outros problemas. Há alunos que não sabem como qualificar a nota de rodapé de sua pesquisa quando um blog é usado como fonte, por exemplo. E blogs são muito usados pelos alunos hoje em dia. Já vi também uma pessoa colocar como referência bibliográfica, simplesmente, a palavra Google.
É preciso, então, ensinar aos alunos a usar corretamente a internet e as tecnologias?
Exatamente, e é preciso ter muito cuidado. Aqueles que usam e buscam a informação na internet nem questionam onde está a informação, se ela é verdadeira ou não. No caso dos arquivos, muito material ainda não está disponibilizado virtualmente e há informações que podem ser complementadas na própria instituição ou em outra. É preciso saber essas coisas. Usar ambiente virtual de forma acadêmica, problematizando o conhecimento, faz com que os alunos sejam um pouco mais desconfiados com relação aos recursos tecnológicos que temos hoje. Eles começam a ficar mais sagazes ao lidar com outras coisas, o que eu acho bem importante também.
Seus alunos serão futuros professores. Você acha que eles estão preparados para saber usar as novas tecnologias em sala de aula?
Essa é uma questão importante. Já escutei várias vezes que certas escolas investem muito em tecnologia, mas muitos alunos saíam daqui sem saber como fazer uso dela. Já vi estudante que não sabia nem fazer uma apresentação em Power Point, algo supostamente simples. O uso de tecnologias na universidade também é importante porque faz os futuros professores perceberem que cada aluno é um aluno, tem um tempo e uma linguagem. Precisamos localizar essas diferenças e saber interagir com elas, entender que, às vezes, um aluno é calado, mas é brilhante e se tiver a oportunidade de escrever em um fórum, será maravilhoso. Temos que habilitar os estudantes da PUC, de todas as áreas, a sair daqui compreendendo a variação de linguagens entre os alunos, que há habilidades diferentes, mas não há ninguém melhor ou pior, há simplesmente maneiras diferentes de construção de conhecimento.
Por tudo isso, me vi compelida, como professora, a usar as tecnologias no universo cotidiano desses futuros professores e pesquisadores. Acho fundamental que eles tenham um mínimo de referência de como usar isso. O resultado é que 99,9% dos meus cursos têm um tipo de suporte virtual atualmente. O uso cotidiano me fez ver o quão adequado é, especialmente num espaço universitário, fazer uso e habilitar alunos a fazerem uso desses recursos.
O uso do ambiente de aprendizagem on-line é, então, constante? Você sempre o utiliza da mesma maneira?
Não uso da mesma maneira. No último curso que ministrei, utilizei o ambiente mais como repositório de material e explorei pouco a interação, mas a dinâmica ganhou espaço importante para os alunos. Recebia mensagem deles dizendo que tinham descoberto artigos e queriam dividir com a turma, perguntavam, então, se poderiam colocar no ambiente on-line. Foi legal porque eles entenderam que aquele era um espaço coletivizado. Outra questão importante é que, ao utilizarmos o ambiente virtual, desnaturalizamos os mecanismos tecnológicos, em outras palavras, garantimos mais consciência do que fazemos com ele e não nos tornamos reféns, como é comum com o celular, por exemplo. Fazemos o uso que nos interessa do recurso e não simplesmente somos engolidos por ele.
O que os alunos pensam do uso do ambiente de aprendizagem on-line na universidade? O depoimento de dois alunos do curso de História.
José Luiz Coelho Rangel Junior (8º período)
Trabalhei com o ambiente de aprendizagem on-line em dois cursos da professora Eunícia e em outro curso. Para mim, foi uma experiência boa, mas acho que se fosse uma cultura mais disseminada, seria mais fácil a utilização para os alunos. Confesso que no início foi um pouco estranho, porque era preciso acessar o ambiente sempre para ler os textos e participar dos fóruns, não recebíamos os textos por e-mail, mas é uma questão de costume. O pouco uso faz com que tenhamos mais dificuldade de usar as ferramentas e o acesso ao ambiente se torna mais uma demanda de algumas disciplinas. Não deveria ser assim. Por isso, acho que seria melhor se mais professores usassem, afinal, você tem todo o material que precisa ali, basta que o professor seja organizado. A possibilidade de ter um espaço desses, com tudo organizado, é excelente. Depois de entender o funcionamento do ambiente, percebemos que é muito tranquilo utilizá-lo.
Patrícia de Oliveira Bastos (5º período)
Achei o ambiente de aprendizagem on-line bastante autoexplicativo. Basta acessá-lo e navegar por ele para perceber que não há mistério, mas os professores não o aproveitam tanto como deveriam. A professora Eunícia é uma exceção. Na disciplina que cursei com ela, havia um dicionário virtual de História alimentado pelos próprios alunos a partir do que era debatido em sala de aula. Todos tinham acesso a ele e era muito legal. Outra atividade que achei muito interessante foi a construção de um texto em conjunto. Percebemos como os outros alunos constroem seus textos, algo pouco comum nas aulas, mas uma oportunidade bacana, afinal, de certo modo, entendemos como as pessoas pensam. Muitas vezes, elas dão importância a um ponto da aula que, para você, não tinha tanta relevância e exploram aquilo de uma forma diferente. Isso é muito legal. Outra vantagem é que, ao escrever num fórum, por exemplo, temos tempo de refletir, rever o texto, diferente do que acontece quando estamos falando em sala de aula. O acesso ao professor é muito fácil e até o acesso a outros colegas. Isso é uma grande vantagem porque, às vezes, queremos conversar com um colega e não sabemos como encontrá-lo. Através do ambiente, temos os contatos de todo mundo. Essa interação com o professor e com toda a turma torna a experiência com o ambiente on-line muito interessante.