O desafio de ensinar português para estrangeiros na modalidade a distância
Na economia global e sofisticada de hoje, possuir competências linguísticas e ter formação com sólido conhecimento em um segundo idioma é extremamente valioso e pode fazer a diferença ao entrar no disputado mercado de trabalho. Esta afirmação faz parte da campanha de divulgação dos cursos de língua estrangeira do Departamento de Línguas, Literaturas e Cultura da SUNY, Universidade Estadual de Nova York (State University of New York), localizada em New Paltz, a cerca de 90 minutos de Long Island.
Lá, a importância dada ao estudo de línguas estrangeiras é tão grande que um curso híbrido de português foi elaborado em parceria com a PUC-Rio. Rosa Marina de Brito Meyer, professora do Departamento de Letras da universidade carioca e coordenadora deste projeto, explica que o curso é híbrido porque há aulas presenciais e aulas a distância: “No nosso caso, a disciplina é ministrada por um professor brasileiro, alocado no Rio de Janeiro, e um instrutor, também brasileiro, aluno de pós-graduação da PUC-Rio e residente temporariamente nos Estados Unidos”.
A proposta surgiu porque a SUNY, que possui 64 campi, decidiu criar uma série de campus-polo, cada um responsável por irradiar determinados conteúdos para outros campi e até para outras universidades. Bruce Sillner, Decano do Centro de Programas Internacionais, sugeriu New Paltz como polo encarregado pela promoção de cursos de língua portuguesa. Sua decisão não foi casual. Em primeiro lugar, já havia um curso híbrido de árabe bem estabelecido, portanto, já existia a estrutura e o conhecimento para a elaboração de cursos similares; em segundo lugar, desde 1989 há um convênio com a PUC-Rio que gerou inúmeras parcerias de sucesso, assim, a cooperação em um novo projeto era bastante provável, garantindo acesso a professores altamente qualificados para ministrar aulas de português como segunda língua.
De fato, a ideia foi aprovada com entusiasmo pelo Departamento de Letras da PUC-Rio e, após várias reuniões, o formato do curso começou a ser definido, como explica a professora Rosa Marina: “Durante um ano, planejamos como seria a estrutura da disciplina e decidimos que haveria quatro encontros por semana, cada um com uma hora de duração”.
Combinou-se que às segundas e quartas, as aulas seriam ministradas por um professor que mora no Rio de Janeiro, portanto, realizadas na modalidade a distância, geradas a partir da Coordenação Central de Educação a Distância da PUC-Rio; e às terças e quintas, as aulas seriam presenciais, com o apoio de um instrutor brasileiro, enviado aos Estados Unidos especialmente para isso. O professor ficaria responsável pela elaboração do conteúdo e o instrutor ficaria encarregado de colocar em prática, através de exercícios, por exemplo, o que havia sido ensinado na aula anterior. A primeira turma foi formada em 2014. No ano seguinte, iniciou-se a segunda turma que concluiu o curso em 2016.
Ricardo Borges Alencar é o professor que assumiu as duas turmas. Ele confessa que foi um desafio ensinar português na modalidade a distância: “Estive em New Paltz para ver como funcionava o curso de árabe, por isso, sabia o que esperar. Mas quando comecei a dar as aulas, fiquei um pouco confuso. Não posso me movimentar, como costumo fazer nas aulas presenciais, porque há uma câmera focada em mim, além disso, não posso usar o quadro como suporte, algo que faço rotineiramente em sala. Portanto, tenho que admitir que o primeiro semestre foi bem complicado, mas com o tempo, aprendi bastante e descobri como me sentir confortável ali. É necessário um tempo para experimentação e para que haja um entendimento pessoal, que nos permite ser mais flexíveis, adaptando nossa postura do ambiente físico para o virtual”.
O entrosamento do professor, dos alunos e do instrutor com as ferramentas da educação a distância aconteceram na prática, através de erros e acertos, e toda a equipe garante que o resultado final foi positivo, apesar dos contratempos do caminho.
Um dos problemas enfrentados é cultural. No Brasil, os professores são chamados pelo nome, o que não é comum nos Estados Unidos. Os alunos do curso não conseguiram se acostumar com essa diferença, afinal, apesar das aulas serem ministradas por um professor que estava no Brasil, eles estavam imersos na cultura americana, diferente da experiência de um estudante de intercâmbio.
Outro exemplo curioso, que mostra claramente as dificuldades desse curso, é o ensino dos adjuntos adverbiais de lugar. Em português, temos aqui para definir o lugar perto de quem fala, aí para definir o lugar perto de quem escuta, ali para definir o lugar mais ou menos próximo de quem fala e de quem escuta e lá para definir o lugar distante de quem fala e de quem escuta. A questão é que o ali numa aula dada por um professor no Rio de Janeiro e com alunos em Nova York torna-se lá; a ideia de proximidade no virtual foi problemática, pois o perto ficou longe.
Até dificuldades climáticas surgiram durante o semestre. Algumas vezes, a universidade em Nova York deixava de funcionar devido ao mau tempo. Nesses casos, as aulas foram dadas pelo instrutor. Por isso, na opinião de Rosa Marina, o papel dele é fundamental: “Houve períodos em que tivemos transtornos com o equipamento de som, por exemplo, e sem uma pessoa presente em sala de aula, os alunos teriam ficado desorientados”.
Lucas Almeida foi instrutor da segunda turma e ficou muito entusiasmado com a experiência: “Tive a oportunidade de aprender muito sobre educação a distância, perceber as diferenças em relação a aulas presenciais, mas pude também ter uma vivência única que agrega muito valor ao meu currículo. Aprendi imensamente sobre o uso de tecnologias na educação, participei de congressos, apresentei trabalhos e pretendo usar todo esse conhecimento no Brasil”.
De fato, as vantagens são inúmeras para as pessoas envolvidas no curso e para as duas instituições de ensino. A PUC-Rio, além de enviar alunos de pós-graduação, como o Lucas, para estudar e trabalhar nos Estados Unidos, tem também a chance de difundir sua expertise internacionalmente de forma concreta. Para a SUNY, há ganhos acadêmicos e financeiros: os professores mais bem qualificados da área estão ao alcance de seus alunos por um custo bastante reduzido.
Para o professor Ricardo, o mundo virtual o ensinou a ser mais flexível e mais inovador: “Fui forçado a repensar o ambiente de sala de aula. Usei técnicas das aulas presenciais na educação a distância, mas também refleti sobre o que estava fazendo e fui capaz de ter novas inspirações para aperfeiçoar meu trabalho”.
Lucas diz que, nos Estados Unidos, a utilização de tecnologias na educação é muito produtiva e isso foi valioso para ele: “Lá, os alunos sabem de antemão o que será dado na aula, então, podem se preparar melhor. Por exemplo, no nosso caso, não perdemos tempo ensinando vocabulário durante a hora de aula, isso é estudado antes, pois já se sabe o que será trabalhado. Tudo é visto através da plataforma virtual”.
Rosa Marina também percebeu a importância do ambiente de aprendizagem on-line: “A plataforma usada nos Estados Unidos é diferente da plataforma adotada pela PUC-Rio, mas as vantagens são as mesmas. Compreendi que as tecnologias podem ser muito úteis e estou usando-as nas minhas disciplinas presenciais”.
Rosa Marina, Ricardo e Lucas concordam que, para os alunos, o resultado foi incrível. Ricardo ficou impressionado com o desenvolvimento na sua turma: “Tivemos uma surpresa porque o contato com o português é bastante limitado. Há, além das quatro horas de aula semanais, encontros organizados pelo Lucas, mas não achávamos que o rendimento seria tão extraordinário. Considerando que a disciplina é de ‘Português Elementar’ e considerando, ainda, a situação de não imersão, é inacreditável o que os alunos aprenderam”.
A PUC-Rio pretende, no futuro, oferecer este curso para outras instituições de ensino e já há perspectivas de trabalhar com uma universidade canadense.
State University of New York at New Paltz
A SUNY é a maior universidade estadual dos Estados Unidos. Um de seus 64 campi está localizado em New Paltz, no vale do Rio Hudson, em Nova York. Com 257 hectares, oferece, além de cursos de alta qualidade, uma excelente qualidade de vida.
Fundado em 1828, possui cursos de graduação em várias áreas, incluindo Artes, Ciências e Educação e os alunos são incentivados a realizar pesquisas e estudos independentes, além de viajar para o exterior para participar de programas de estudos e estágios. É o caso de duas alunas do curso híbrido de português, que terminaram a disciplina nos Estados Unidos e vieram realizar intercâmbio na PUC-Rio.