Turma de 1º período do curso de Letras usa o Moodle e fica surpresa com suas possibilidades

“É um mundo novo que devemos explorar porque há ali milhões de possibilidades.”

Assim a professora Danusa Depes Portas, do Departamento de Letras da PUC-Rio, define o Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle. Mas não pense que a frase é dita em tom contido e circunspecto. Ao contrário, Danusa fala com entusiasmo, abrindo os braços de forma extrovertida e com um sorriso de quem acaba de descobrir um tesouro.

Para ela, que pela primeira vez deu aulas de “Práticas de Leitura” para uma turma de calouros, a possibilidade de peregrinar pelo espaço virtual foi um verdadeiro desafio, mas também um presente.

Na entrevista que deu para a revista Asas, Danusa contou como foi essa experiência e ainda abriu espaço para que seus alunos participassem da conversa.

Como foi a reação dos alunos quando você explicou que haveria a utilização de um Ambiente Virtual de Aprendizagem?

Houve um momento de tensão porque eles pensaram que haveria uma vigilância constante, afinal, sou uma figura institucional e eles pensaram que, com o Moodle, eu assumiria a postura de uma espécie de “big brother” que olha tudo. Evidentemente, não é nada disso e eu consegui quebrar o medo da figura institucional.

Há características ou atitudes específicas de alunos calouros? Isso influenciou a forma de usar o Moodle?

No primeiro período, cada estudante está chegando com suas próprias referências e elas são muito fortes e bem diferentes umas das outras. Não há ainda um solo comum. Mas isso é muito positivo porque cada um traz suas contribuições e eu, através do Moodle, consegui perceber a singularidade de cada um.

Foi fácil usar o Ambiente numa turma de 1º período?

No primeiro mês, tivemos uma fase de adaptação, mas depois desse período, todos entraram rapidamente no clima do Moodle e o usaram intensamente. A resposta foi tão boa que as aulas se estenderam para fora da sala sem problemas, conforme estratégia e plano pensados inicialmente. Não é raro eu responder mensagens de madrugada, por exemplo.

Então, é bem mais trabalhoso dar aulas usando o Moodle?
Com certeza é uma forma que dá mais trabalho; por outro lado, dá mais resultados. E eu tenho o apoio de duas doutorandas que me ajudam a observar tudo que se passa no ambiente. Veja bem, não é uma atitude controladora, repressora. Não estamos vigiando o que eles fazem, estamos construindo juntos.

Você disse que o uso do Moodle dá mais resultados. Você pode dar exemplos?
Os alunos ganham muita autonomia. No sistema tradicional, isso demora muito tempo para acontecer porque os estudantes não se sentem autorizados a fazer certas conexões. Esse formato de curso permite que eles abusem mais, no bom sentido; sabem que podem estabelecer relações aparentemente desconexas e não serão “punidos” por isso. Eles saem de um lugar de conforto e passam a acessar outros conhecimentos quando trabalham no ambiente virtual. Isso acontece com alunos que, às vezes, em sala, quase não participam. Há o caso de uma aluna que fica imóvel na sala de aula e no Moodle, se transforma. Se eu não usasse o ambiente, pensaria que é uma pessoa desinteressada.

Há, portanto, vantagens claras para os alunos. E para você, como professora?
Essa nova relação que se estabelece também me desloca do meu lugar de conforto e esse é meu projeto como educadora. Sou estimulada a escutar cada um e ver como o pensamento é construído na sua singularidade. É um projeto arriscado e isso é excelente. Sempre digo que o pensamento é um risco, não é um lugar de estabilidade. Tem que haver risco para que se constitua o conhecimento. Estou permitindo que os alunos tenham repertório para alcançar essa emancipação. Estamos construindo juntos autonomia de pensamento.

Parece ser algo instigante, mas assustador ao mesmo tempo.
É assustador mesmo e eu tive medo no início. Medo porque os papéis foram desarmados. Não dou aula exclusivamente expositiva explicando determinado texto, ao contrário, incentivo todos a analisarem o texto juntos, a formular perguntas sobre ele a partir do seu próprio ponto de vista. Isso significa uma instabilidade grande para mim porque preciso estar preparada para a avalanche de ideias que vem dos alunos e que é preciso agenciar. Dá medo, dá frio na barriga, mas é muito prazeroso.

Essa avalanche de ideias dos alunos não cria muita confusão em sala de aula?
Não. Há liberdade para fazer conexões, para pensar e ter ideias, mas é preciso qualificar essa livre conexão. Esse é o meu papel, digo, de mediação. Tenho uma turma que olha o mundo com múltiplas experiências e, a partir delas, eles têm muito a acrescentar. São alunos que estão operando com textos muito complexos já de início e vão nesse caminho graças ao ambiente virtual e graças a essa forma de estudar. A plataforma tem um papel chave no sentido de tornar visível a complexidade das práticas de leitura que se constituem em rede, de forma múltipla e heterogênea. No entanto, preciso ser rigorosa para garantir a qualidade do que é produzido. Só é possível dar liberdade se houver muito rigor. O Moodle é isso: é explorar e dar liberdade, mas com rigor para que dê certo.

Muitos professores usam o ambiente virtual para postar atividades, para colocar o material do curso, para manter o diálogo com os alunos fora de sala, mas você usa o ambiente durante as aulas, em sala. Como isso funciona?
Existem múltiplos aspectos em jogo aí. Primeiro, é preciso entender que o Moodle não é uma substituição do quadro negro, plano e bidimensional. É uma estratégia para falar de uma experiência de pensamento que se constitui em rede. Então, é incrível pensar o ambiente não só para quem está distante, mas para trabalhar na sala de aula, pois os alunos dessa geração hiperconectada se veem representados. Eu uso o ambiente como um contracampo de referências visuais e bibliográficas que intensifica o aprendizado do tópico em questão. Outro aspecto importante de marcar é o de que existe uma assimetria, reafirmada constantemente no campo institucional, que eu tento romper quando uso o Moodle. O que faço é estabelecer uma parceria no lugar de afirmar essa assimetria. Os alunos têm liberdade para se expressar, para ler o que está além da bibliografia do curso e trazerem esse material para o ambiente de trabalho. Claro que respeito uma ementa da disciplina que já estava definida antes, mas trouxe uma proposta nova de implementação de seus conteúdos. Com a chancela do diretor do Departamento de Letras, Karl Erik, que assina o curso comigo, pude testar novas possibilidades. O resultado é visível, esses estudantes estão se desenvolvendo de forma incrível e estão lendo textos trabalhados na pós-graduação. A turma lê autores do século XVI a autores do século XXI e já operam criticamente a partir desses pressupostos, portanto, já podem discutir o que seria esse campo expandido da Literatura hoje, na contemporaneidade, dentro de uma cultura sob o impacto massivo da imagem e da informação. O literário é um meio híbrido, constituído pelo verbal e pelo visual. Isso já faz parte do debate desses alunos que são calouros.

Mas o uso do Moodle em sala de aula obriga os alunos a usarem celulares, tablets e laptops. Isso não atrapalha a aula?
No começo eu pensava que os alunos estavam na internet, mas entendi rapidamente que eles estavam anotando as aulas nos seus laptops e tablets. Não era fuga, mas adesão irrestrita à proposta. Essa geração processa informação de uma forma assombrosa a partir dessas tecnologias. Os textos estão digitalizados na plataforma, a(s) prática(s) de leitura acontece(m) através desse apparatus, e há outras interações acontecendo virtualmente. É esta a realidade dos estudantes hoje em dia e não podemos fugir disso. Eles estão em sala e estão processando várias coisas através dos celulares, tablets e laptops. São anotações, são pesquisas etc. O professor não pode esperar atenção exclusiva e eu nem quero isso. A ideia de aula como uma entidade heterotópica vem ganhando destaque no contexto atual. E a verdade é que a atenção independe do celular. Hoje, já sei quando estão ligados e quando não estão ligados.

Você acha que ainda dá para explorar mais o Moodle?
Não tenho dúvidas disso. O Moodle é um mundo novo que devemos explorar porque há ali milhões de possibilidades. Gostaria de testar novas ferramentas, como o banco de dados que ainda não foi suficientemente explorado. Ele funcionaria como o que chamo de “estranhos rizomas” que são todos os atravessamentos daquele nó que cada aula representa. O que é esse nó? São as referências audiovisuais e referências bibliográficas: texto e imagem.

O que os alunos pensam do Moodle

Mariana Perelló
A maioria dos alunos não conhecia o Moodle, então, tivemos um processo de adaptação no início do curso. Logo descobrimos que era um ambiente muito prático, todo o conteúdo da aula estava lá, havia possibilidade de interação com os outros alunos, inclusive, de contribuir com a produção textual uns dos outros. Fizemos isso o tempo todo e foi bem bacana. O Moodle nos permitiu construir juntos. Além disso, a professora confiou na gente e passou textos complexos, mas conseguimos trabalhar com eles porque, no Moodle, encontramos informações sobre eles que nos ajudaram a acompanhar as aulas. Todas as aulas aconteceram com o suporte do Moodle e do o Google também. Sempre que era necessário, fazíamos pesquisa, por exemplo, se a professora mencionava um autor que eu não conhecia, usava o Google para pesquisar. Os celulares e tablets se tornaram o hiperlink pessoal de cada aluno.

Giovanna Corbucci
Com o Moodle, todos puderam participar bastante do curso, mesmo os que acham assustador falar em sala de aula. Agimos em rede e cooperamos uns com os outros. Não acho que isso incomodou ninguém, afinal, já estávamos acostumados com esta realidade virtual através de redes sociais como o Facebook, por exemplo. O Moodle é como um caderno muito mais elaborado e com o pensamento de todo mundo.

Seiji Watanabe
O Moodle é um ambiente imersivo e ficamos ali muito tempo além das horas da aula. Para pesquisar texto é maravilhoso porque é rápido e prático. Além disso, os alunos são instigados a debater. A professora não nos dá respostas, ela nos incentiva a refletir e é algo totalmente interativo. Esse debate e essa interação permitem trazer a discussão para a nossa realidade. Outra vantagem do Moodle é que fazemos ali vários trabalhos que, somados, se tornam a avaliação do curso, ou seja, não é uma prova única que acontece num momento de tensão. Deixamos de ter medo da avaliação.

João Victor Silva
Acho que a ideia de usar o Moodle foi assustadora para todos. Achamos interessante, mas ficamos apreensivos porque é algo bem diferente do que estamos acostumados a fazer e é imersivo demais, vivemos aquilo o tempo todo. Por outro lado, sinto que estou me desenvolvendo. Me sinto melhor em termos de cultura e conhecimento e sinto uma liberdade muito grande para produzir. Postamos várias coisas no Moodle, conversamos bastante e há trabalhos colaborativos, com comentários e sugestões de outros alunos e da professora. Isso leva a uma produção coletiva muito bacana.

Carlos Augusto Ribeiro Jr.
O uso do Moodle nessa aula nos permitiu usar os celulares, laptops e tablets sem receio. É como no mundo do trabalho. Não acredito que as pessoas trabalhem sem a aba do Facebook aberta ou sem o celular ao lado, conectado ao WhatsApp. A aula deveria se adequar a essa realidade. Se acessamos o Moodle e trabalhamos nele em sala de aula, podemos ter também o Facebook aberto, o que não significa que estamos prestando mais ou menos atenção na aula.