Professores sem licenciatura das escolas públicas do nordeste ocupam a posição de alunos e fazem história

A quantidade de professores sem licenciatura que ministram aulas em escolas públicas do país é muito grande. Apesar da Lei de Diretrizes e Bases, criada na década de 1990, prever o fim da figura do professor leigo (aquele que dá aulas sem habilitação), pesquisas dos últimos anos apontam um quadro ainda preocupante. Os dados de 2005, por exemplo, indicavam a existência de centenas de milhares de docentes sem habilitação específica ou apenas com curso superior normal.

Naquele ano, com o objetivo de minimizar o déficit de professores formados no país, o Ministério da Educação e da Cultura lançou um edital chamado Programa Pró-licenciatura II, voltado para professores do segundo segmento do Fundamental e do Ensino Médio.

Começava ali uma história de desafios e conquistas: nascia o primeiro curso de graduação completo a distância da PUC-Rio.

Os primeiros passos

No ano em que o MEC lançou o Programa Pró-licenciatura II, o então Vice-Reitor Acadêmico da Universidade, Danilo Marcondes, atento para as novas oportunidades, reuniu os coordenadores de licenciatura e sugeriu que os departamentos interessados em participar do programa elaborassem um projeto.

O professor Luís Reznik, então Coordenador de Graduação de História, lembra que seu departamento prontamente se engajou: “nosso corpo de professores é muito interessado na área de ensino, esta é uma característica boa nossa. Temos pesquisadores de ponta preocupados com a educação dentro da universidade e também no ensino de base, portanto, decidimos aceitar o desafio. O edital exigia uma parceria entre duas universidades, uma delas pública. Fizemos um trabalho em conjunto com a UERJ, mas a cabeça do projeto era a PUC e fomos muito bem avaliados pelo MEC”.

O curso contou, inicialmente, com mil alunos do Maranhão, Sergipe, Ceará e Bahia. O professor Reznik assumiu a coordenação geral do curso e o professor Ilmar Rohloff aceitou ser o Coordenador Acadêmico. Entre o segundo semestre de 2005 e o primeiro semestre de 2006, a nova equipe já se reunia constantemente para discutir detalhes do trabalho que estava prestes a começar.

“Não tínhamos ideia do tamanho do desafio. Muitas pessoas nos davam os parabéns, mas achavam que éramos doidos. A então Decana do CCS, Gisele Citadino, nos incentivou muito e admirava nossa coragem. Costumava dizer para o professor Ilmar que ele tinha muita energia. Somos assim mesmo, não podemos ficar parados, não é?”, indaga Reznik.

Nova receita

O principal desafio do novo curso era sua formatação inédita. Os professores seguem, geralmente, uma tradição oral e as aulas acontecem através de uma conversa olho no olho. A graduação a distância precisaria, necessariamente, ser escrita. Uma parte significativa dos docentes do Departamento de História da PUC-Rio nunca tinha sequer pensado em passar suas aulas para o papel.

“Foi aí que percebemos, pela primeira vez, que as coisas não seriam tão simples. Numa sala de aula, há o debate e podemos ver a reação dos alunos. Os textos do curso a distância precisavam suscitar a mesma discussão, a mesma curiosidade, mas precisavam, também, ser apresentados em um formato conciso”, explica Reznik.

Os responsáveis pela elaboração das aulas tinham uma certeza: o curso não poderia, de forma alguma, ser um mero tira-dúvidas. Para isso, foram realizadas inúmeras reuniões, em que as metodologias eram pensadas e repensadas. Junto com a CCEAD, foi determinado um modelo de aula, com o enquadramento dos textos dentro de padrões bem definidos.

Para Reznik, estes textos representam as aulas presenciais: “não tenho a menor dúvida de que as aulas presenciais e a distância são intercambiáveis. Para alunos com disciplina, autonomia e certa bagagem, isto é perfeitamente possível. Não estou propondo acabar com o ensino presencial, de forma alguma, mas não tenho dúvidas de que podemos ter aulas riquíssimas pela web. Eu tinha uma desconfiança em relação à educação a distância, mas hoje, sou um entusiasta. É perfeitamente plausível produzir resultados de ótima qualidade”.

Reznik lembra, ainda, que o curso a distância tem a vantagem de obrigar o aluno a ler, escrever e participar mais. Em salas de aula, é comum que grande parte dos estudantes tenha pouca ou nenhuma participação, muitos não abrem a boca ao longo de todo o semestre.

No formato criado pela PUC-Rio, o centro da relação estava no fórum de debates, a chamada sala virtual. Apesar de haver mil alunos inscritos, as turmas eram de aproximadamente trinta pessoas, avaliadas por suas participações. Professores e tutores estimulavam, constantemente, o debate.

O perfil dos alunos

Os alunos do curso a distância enfrentaram uma grande dificuldade: o precário acesso à internet. Em 2006, muitos estados ainda não tinham banda larga e inserir os alunos no mundo digital foi preocupante. A inclusão digital era precária, principalmente no Maranhão e no Ceará.

Dos mil alunos que se matricularam no curso, mais de 800 viviam fora das capitais, em pequenas cidades e vilarejos que estavam a vários quilômetros de distância dos polos. Em muitos casos, o acesso à rede só era possível depois de quatro ou cinco horas de viagem.

O cenário era ainda mais assustador porque vários alunos não sabiam sequer usar o computador, como lembra Reznik: “havia gente de 25 a 60 anos e os mais velhos tinham dificuldade até de manusear o mouse. Capacitamos todos eles. Partimos do princípio de que eram nossos colegas e era primordial respeitá-los, afinal, eles têm sua sabedoria e sua expertise. Dialogamos a partir da experiência deles, só assim conseguimos resultados”. Para ajudar na construção do conhecimento, a PUC-Rio instalou bibliotecas nos polos, com livros acadêmicos pré-selecionados. O material da web indicado para consulta também foi escolhido com cuidado.

Devido ao perfil diferenciado dos estudantes, o nível de cobrança mudou, gerando uma polêmica dentro da universidade: “a diferença de exigência não alterou a qualidade do serviço oferecido. Oferecemos um curso com a qualidade requerida na formação de professores, em nenhum momento abrimos mão disso”, diz Reznik.

Mesmo com um rigor diferente do aplicado para os alunos presenciais, alguns alunos do curso a distância desistiram, foram reprovados ou jubilados por excesso de reprovações. A maioria acreditava que seria fácil chegar ao fim do curso, mas ao final dos três primeiros meses, cerca de cem alunos já haviam deixado a graduação.

Reznik lembra que o diploma é o mesmo que qualquer aluno da universidade recebe: “são nossos alunos, portanto, recebem o mesmo diploma, sem nenhuma diferença. Se por um lado, eles têm todo o mérito de exibi-lo, afinal, foi conquistado, por outro lado, discutimos muito sobre as cobranças justamente porque estávamos entregando um diploma da PUC-Rio”.

Em dezembro de 2010, 790 alunos concluíram o curso e agora, em 2011, muitos estão cursando as disciplinas nas quais tinham dependência para concluir os estudos.

A experiência fascinou toda a equipe, mas também deu muito trabalho e apesar do Departamento de História pensar na possibilidade de abrir um curso de graduação a distância para o mercado, por enquanto, este é apenas um plano.