Desde 2013, o Ginga – uma especificação de software desenvolvido pela PUC-Rio que permite a interatividade em TVs com recebimento do sinal de TV digital – passou a ser obrigatório na maioria dos modelos fabricados no Brasil e a previsão é que todos os televisores fabricados no país recebam o Ginga nos próximos anos. Esta mudança é tão recente para o público que a impressão de muitos é que as pesquisas sobre TV Digital são uma novidade por aqui.
O professor do Departamento de Informática da PUC-Rio e coordenador do Laboratório TeleMídia, Luiz Fernando Gomes Soares, sabe que a realidade é bem diferente. Ele conta que a TV Digital é parte de uma área chamada Sistemas Hipermídia e os trabalhos ligados a essa área começaram, na PUC-Rio, há muitos anos: “Em 1990, criamos o Laboratório TeleMídia em parceria com o centro de pesquisa da IBM. O grupo ficou internacionalmente conhecido no ano seguinte, quando resolveu um problema em aberto na área de Sistemas Hipermídia, utilizando um modelo de concepção de documentos hipermídia desenvolvido no laboratório. Esse modelo recebeu o nome de NCM, NestedContextModel. A linguagem que tinha o NCM por trás era chamada NCL, NestedContextLanguage, hoje, a linguagem do sistema brasileiro de TV Digital”.
Em 1998, ano do lançamento da TV Digital no Brasil ainda sem hiperatividade, a equipe da PUC-Rio iniciou uma nova pesquisa com um grupo da Universidade Federal da Paraíba, enxergando na TV Digital um caminho para sistemas hipermídia. O professor Luiz Fernando lembra que um pouco antes havia proposto a radiodifusores realizar trabalhos com hiperatividade, mas todos acharam aquilo uma grande bobagem: “Disseram que estávamos delirando, que era algo impossível de acontecer”, lembra o professor.
Em 2004, após o modelo de TV Digital começar a ser definido no Brasil, a FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos – lançou um edital para que fossem estudadas todas as tecnologias envolvidas na área, desde a parte de transmissão, recepção, multiplexação, codificação de vídeo e codificação de áudio até o middleware da TV digital. Middleware, vale mencionar, é o programa de computador que faz a mediação entre software e demais aplicações.
O grupo formado pela PUC-Rio e a UFPB, junto a outras universidades, se dedicou a trabalhar nisso e a equipe da PUC se concentrou no estudo da parte declarativa do middleware, ou seja, a linguagem NCL. Em 2006, ficou decidido que o sistema brasileiro digital seguiria o modelo japonês, com as inovações brasileiras. Porém, a única inovação brasileira escolhida foi aquela desenvolvida pela PUC-Rio, que recebeu o nome Ginga NCL. No ano seguinte, o Ginga NCL se tornou o padrão da TV Digital brasileira e foi adotado pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas –, o que acelerou a implementação do Ginga pelas empresas.
Finalmente, em 2009, o Ginga NCL se tornou o primeiro padrão brasileiro adotado pela Integra International, padrão internacional da área de tecnologias das comunicações e informações. O Ginga NCL é também o primeiro e, até hoje, o único padrão adotado pela ITU – International Telecomunication Union– órgão da ONU para recomendações de Tecnologias da Informação e Comunicação e se tornou padrão não apenas para TV Digital por difusão pelo ar, mas também para a IPTV.
Para o professor Luiz Fernando, o grande segredo da TV Interativa é o sincronismo de mídia, não a interatividade, como muitos acreditam: “Você pode estar falando sobre um assunto e, de repente, aparecer uma pergunta relacionada a ele ou uma informação adicional, uma fotografia, um áudio. Não é necessário haver interatividade para isso, apenas sincronismo de mídia. A interatividade é um caso particular de sincronismo de mídia, ou seja, algo acontece quando o usuário aperta o controle remoto. Isso virou marketing da TV Interativa, mas nem sempre funciona”.
Na educação, entretanto, a interatividade é um elemento que pode ser bastante explorado e para a educação a distância, em especial, o Ginga oferece uma infinidade de possibilidades. Basta estar aberto a novas ideias e usar a criatividade.
Para entender melhor
O Ginga permite a interatividade em TVs que recebem o sinal de TV digital. A partir da especificação criada pelas universidades, qualquer empresa pode desenvolver sua própria versão do Ginga e embarcá-la nas TVs.
TVs com o Ginga podem receber aplicativos interativos enviados pelas emissoras de TV por meio do sinal digital. A Rede Globo, por exemplo, transmite aplicativos durante as novelas. Ao acessá-los, os espectadores podem ver notícias, fotos e curiosidades sobre os atores e personagens da novela. Outras emissoras, como o SBT e a Record, também transmitem aplicativos interativos com informações sobre a programação. O SBT é a única emissora que transmite aplicativos de interatividade 24 horas por dia.
O sistema também permite que os espectadores instalem aplicativos de jogos e redes sociais na TV por meio da internet ou de lojas de aplicativos integradas ao Ginga. A instalação de aplicativos na TV ocorre de maneira similar às TVs com conexão a internet, fabricadas por diversos fabricantes. Alguns aplicativos, no entanto, podem demandar o envio de informações para um servidor, o que só pode acontecer em TVs conectadas à internet.
O que ele tem que os outros não têm?
Por que o Ginga foi escolhido como padrão no Brasil, deixando de lado padrões já existentes em outras TVs – sistema americano, japonês e europeu? O professor Luiz Fernando explica que o Ginga traz uma tecnologia muito mais evoluída: “Não significa que os outros sejam piores, são mais antigos; o Ginga é a tecnologia mais evoluída que existe hoje. Além disso, a linguagem NCL é muito fácil para desenvolvimento e prioriza as aplicações de inclusão social, como educação, saúde etc. Alguém que não seja da área de computação pode, sem dificuldades, desenvolver aplicações de educação, por exemplo. As aplicações de educação e saúde, especificamente, têm muito sincronismo de mídia, ou seja, mídias aparecendo sincronizadas no tempo, e esse é o foco da linguagem NCL, por isso é fácil desenvolver”.
Atualmente, o Ginga é adotado em 13 países e há comunidades Ginga internacionais fazendo contribuições na área de middleware. Existe, também, um programa chamado Ginga Brasil, cujo objetivo é ensinar o desenvolvimento de aplicações em Ginga. “Começamos este programa ensinando a alunos de segundo grau de escolas públicas do Brasil inteiro a desenvolver aplicações em Ginga. Nosso objetivo era mostrar a eles a facilidade de uso. Depois, tivemos turmas em outros países da América Latina e também turmas para as TVs comunitárias e universitárias”, diz o professor Luiz Fernando.