Em 1988, em uma entrevista a Bill Moyers em um programa de TV americano, o escritor Isaac Asimov previa a importância da Internet em nossas vidas. Asimov falou sobre o surgimento de redes sociais e sites de pesquisa, como o Google, e falou também sobre educação: “Uma vez que tenhamos computadores em cada casa, cada um deles ligado a bibliotecas enormes, onde qualquer pessoa possa fazer perguntas e ter respostas sobre qualquer assunto, então, todos gostarão de aprender. Todos poderão ter um professor sob a forma de acesso aos conhecimentos acumulados”.

De lá para cá, o mundo viu a revolução tecnológica transformar muitas das previsões de Asimov em realidade, mas a questão das mídias na educação ainda gera muita discussão. E esta discussão faz parte do trabalho do GRUPEM, Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-Rio.
Desde 2001, o GRUPEM desenvolve estudos sobre as relações de crianças e jovens com as mídias e um dos trabalhos envolveu uma pesquisa empírica realizada com mais de 3 mil estudantes do 9º ano de 309 escolas da Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, entre 2009 e 2011. Também participaram da pesquisa 127 professores e 39 diretores.

De acordo com o relatório produzido a partir deste estudo, “os resultados indicaram altos níveis de habilidades no uso dos recursos técnicos das diferentes mídias, a preponderância do uso para comunicação online e a existência de um ´gap´ entre as habilidades de uso dos recursos tecnológicos de informação e a aplicação dessas habilidades para a autoinstrução”.

A professora e doutora em Educação, Rosália Duarte, Coordenadora do grupo de pesquisa, explica que alguns dados já eram esperados, outros não: “Já sabíamos sobre a habilidade dos jovens no uso do computador, mas percebemos, também, quão pouco se usa o computador e a internet por conta própria para a autoinstrução, no que diz respeito ao conhecimento formal”.

Cientes deste problema, os membros do grupo de pesquisa formularam em algumas hipóteses e uma das propostas sugeridas é, a princípio, inesperada: “O segredo é desestabilizar, este talvez seja o passo mais interessante”, explica Rosália. Para ela, existe uma tentativa dos professores em alcançar o conhecimento tecnológico dos alunos por acreditar que esta é a forma de explorar as mídias na educação, mas a questão chave da formação não é a tecnologia da máquina, mas a tecnologia do pensamento.

De acordo com a professora Rosália, é importante conhecer o computador e suas funcionalidades, mas o segredo está em estimular o novo através de desafios e oportunidades não necessariamente ligados ao conhecimento tecnológico. O professor precisa, portanto, incentivar o pensamento, a organização e a produção de ideias a partir das informações que o computador e a internet podem oferecer.

Nas conclusões do texto produzido a partir da pesquisa do GRUPEM, os pesquisadores afirmam que os resultados obtidos “sugerem comprovação de nossa hipótese inicial de que a mediação dos professores da relação que os mais jovens estabelecem com as tecnologias da informação e da comunicação não precisa ser pautada pela (aflitiva!) exigência de dispormos das mesmas habilidades que eles no manejo operacional de recursos tecnológicos, pois tudo indica que, nesse aspecto específico, as gerações mais jovens sempre estarão um passo à frente em relação às gerações mais velhas. O que sabemos até o momento sugere que hoje, tanto quanto em épocas anteriores, o sucesso da escola na educação de crianças e jovens exige a adoção regular de estratégias didáticas que propiciem o desenvolvimento de habilidades cognitivas fundamentais à construção do pensamento abstrato/reflexivo, que configura a base da autonomia intelectual, independente do contexto, recursos e circunstâncias em que estas habilidades se façam necessárias. Assim, não se trata de uma tarefa que diga respeito apenas ao uso de TI, mas que diz respeito à relação com o conhecimento.

Há, sem dúvida, um aprendizado específico necessário ao uso de tecnologias da informação e da comunicação que precisa ser adquirido pelos professores, para a criação e proposição de novas metodologias de ensino, mas este não pode ser o eixo central da formação, básica e/ou em serviço, desses profissionais. O eixo central da formação docente é, a nosso ver, a aquisição dos saberes e competências necessários para criar estratégias de ensino que contribuam para reduzir a distância entre habilidades tecnológicas e habilidades educacionais — relativas à autoinstrução, isto é, habilidades que dizem respeito à aquisição, construção/produção e compartilhamento de novos conhecimentos. Como linguagem e pensamento estão em estreita relação, pode ser que, algum dia, a experiência intensa na linguagem digital possibilite, por si só, às novas gerações superar esse gap; hoje, a nosso ver, ainda é imprescindível a mediação de adultos qualificados, preferencialmente professores”.

A pesquisa do GRUPEM e outras pesquisas internacionais

Na pesquisa realizada pelo GRUPEM, as perguntas sobre o contexto do uso do computador pelo aluno formaram um grupo de seis itens: se ele usa ou não o computador; há quanto tempo ele usa o computador (“há menos de um ano”; “há mais de um ano”, “há mais de dois anos”, “há mais de cinco anos”) e com que frequência (de “nunca” a “várias vezes ao dia/todos os dias”), em diferentes locais (escola, casa, casa de amigos e locais públicos/lan houses).

A análise dos usos indica que 60,8% dos estudantes pesquisados usam a internet há mais de 3 anos, sendo que 69,7% o fazem várias vezes por semana a várias vezes ao dia; 75,6% declararam ter computador e internet em casa e apenas 3,4% dos estudantes pesquisados declararam usar o computador na escola várias vezes por semana ou uma vez por dia.

O grupo europeu Mediappro constatou no seu relatório de 2008 um hiato entre o uso da internet na escola e o uso em casa (prevalecendo largamente este último): a pesquisa identificou um uso médio de computador na escola, entre os jovens europeus, próximo a 25%, sendo a Itália o país com média mais baixa, com apenas 7% de uso diário ou várias vezes na semana.

O mesmo foi verificado por Kredens & Fontar (2010) em estudo realizado com 1000 estudantes franceses, que indicou que 93% das práticas de uso da internet desses jovens ocorriam em casa, embora todas as escolas públicas francesas disponham de laboratórios de informática e muitas delas possuam computadores nas salas de aula.

A maioria dos jovens entrevistados pelas pesquisadoras declarou preferir uma prática não orientada de uso da internet e considerar desinteressantes e desestimulantes as propostas de utilização da rede apresentadas, na escola, por seus professores (18% dos estudantes informaram que aproveitavam o tempo de uso da internet na escola para consultar e redigir e-mails e para frequentar redes sociais).